Começámos o trabalho de campo por volta das 11h do dia 2 de maio, com o objetivo de perceber se os vários espaços comercias da confusão urbanística da mouraria ajudavam as várias comunidades do bairro a encontrarem-se.
.
Encontrámo-nos no Hub Criativo da Mouraria e de lá saímos com a ideia de fazer um questionário aos vários estabelecimentos que circundam os largos da Mouraria. Enquanto aguaceiros ainda caíam, aproveitámos para tomar café na pastelaria dos Lagares. Lá encontrámos um ambiente acolhedor, com dois irmãos que há 26 anos abriram o estabelecimento e nunca mais de lá arredaram pé. Enquanto bebíamos a bica, o carteiro entrou, espalhou o monte de cartas que tinha na mão e entregou diretamente a correspondência a um senhor de idade que lá estava. O dono respondeu amigavelmente ao nosso inquérito, enquanto ao mesmo tempo fazia duas torradas, devido ao número de clientes.
De lá seguimos em direção ao Largo do Severa. Vimos uma loja de souvenirs e minimercado e tentámos fazer o questionário. Porém, logo que falámos sobre um trabalho da faculdade, a cara do senhor que estava atrás do balcão congelou e só repetia um “no” em tom assustado. O facto de várias reportagens terem sido feitas sobre lojas deste género nos últimos dias terá, certamente, provocado mais desconfiança nas comunidades sul-asiáticas.
Passámos por um ateliê em que a empregada, de maneira simpática, nos respondeu ao inquérito, referindo que vive dos turistas que lá passam e que até a oferta de produtos foi ajustada às suas preferências — como passar a vender produtos de tamanho mais reduzido, como pequenas peças de cerâmica, para agradar aos turistas.
Ainda tentámos a nossa sorte numa pizzaria, mas o empregado logo nos mandou falar com o “boss”. Este, que estava na loja de souvenirs ao lado, logo inventou uma desculpa e saiu com ar desconfiado. Novamente, ambos de origens sul-asiáticas demonstravam receio em responder ao que quer que fosse. Decidimos entrar no Largo as Severa e aí, finalmente, uma loja de souvenirs lá nos respondeu com poucas palavras, mas sem qualquer problema.
Porém, o ponto alto foi, sem dúvida, o almoço. Fomos ao Café Parreirinha um tasco que se localiza à entrada do Largo da severa. Lá, o empregado não hesitou em chamar-nos para entrar. O espaço era pequeno, não acomodava mais do que 20 pessoas. Com um balcão, duas ou três mesas, e o resto da sala acomodava a fritadeira e o local onde se temperava e preparava comida. Na esplanada, com a maior parte das mesas, ainda havia o grelhador — o elemento essencial.
O homem geria a conversa com as várias mesas, os pedidos e ainda a grelha. Surpreendeu-nos quando falou um francês exemplar e mudou rapidamente para um italiano aceitável. Tirando nós e um casal italiano, eram apenas clientes habituais. Os moradores, percebendo que não éramos estrangeiros, conversaram connosco, falando da sua vida e do que é ser do bairro. Disseram que todos podiam ser da Mouraria — bastava lá passarem o tempo. Falaram das comunidades sul-asiáticas como uma ilha na Mouraria, ao contrário de africanos, chineses e muçulmanos, que, demorando mais ou menos tempo, lá se integravam no bairro.
Os novos habitantes da Mouraria pareciam não ceder. “Nem celebram os Santos”, disse um deles — algo fulcral na identidade do bairro. A religião não era um problema, mas a falta de interesse nas festas e em ser parte ativa do bairro. A única exceção parecia ser um minimercado de uma tal Toni — o único membro desta nova vaga da Mouraria que estava perfeitamente integrado. Dona de um minimercado no coração da Mouraria. “O Toni já é português” — foi dito não como um mero ato admirativo, mas afirmando o espírito da Mouraria.
Depois de comermos o doce de abade que o empregado tão bem nos vendeu, fomos carinhosamente pedidos a sair, pois um grupo de pessoas chegava e o estabelecimento não tinha mais espaço para tanta gente. Pagámos e prometemos voltar, e um dos nossos novos amigos lá nos segredou que, se viermos mais vezes, começamos a pagar o preço de morador, que eles têm direito. Devido ao horário apertado, tivemos de acabar o trabalho por volta das 15h.
Artigo da autoria de Guilherme Teixeira, aluno da Licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais.