Ensino unido à Investigação: a Unidade Curricular “Olhares sobre a Cidade: estudo interdisciplinar dos centros históricos” na NOVA FCSH

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No âmbito do projecto Erasmus Bip “Miradas sobre la ciudad”, foi proposta uma Unidade Curricular de integração (UC) em projecto, oferecida pelo Centro de Investigação CHAM – Centro de Humanidades na Faculdade de Ciências Sociais e Humadas da NOVA.

Esta UC foca-se no estudo de uma zona histórica da cidade de Lisboa, a Mouraria, particularmente afetada pela atividade turística e hoteleira e pelas novas dinâmicas de reabilitação urbana, com efeitos negativos significativos na qualidade de vida dos residentes e na perda do carácter de bairro que sempre identificou esta zona. Fortemente multicultural, as comunidades patrimoniais têm cada vez mais desafios, que este projecto está a identificar com vista à apresentação de propostas para um modelo de cidade sustentável caracterizado por uma resiliência equitativa e inclusão dos valores históricos e culturais. Através de uma primeira fase de caracterização da área de estudo, apoiada na investigação e na observação participante, junto com os parceiros locais, criar-se-á um dossier de trabalho com propostas de intervenção baseadas nos eixos temáticos da inclusão, a habitação, e o património.

Orientada pelas docentes Leonor Medeiros e Mafalda Pacheco, esta UC foi disponibilizada a alunos de licenciatura e mestrado das áreas de Arqueologia, História, História de Arte, Antropologia, Gestão do Território, Urbanismo Sustentável e Ordenamento do Território ou áreas afins.

As primeiras reuniões de trabalho decorreram na FCSH, definindo os limites da área de intervenção e fazendo uma primeira análise da malha urbana, com uma visão histórica da evolução do espaço e um primeiro levantamento dos recursos patrimoniais existentes.

Diário de Campo, 22/03/2024 (2)

Mapa do percurso realizado no bairro da Mouraria.

Em poucas ruas, muito contraste. Hoje fizemos um percurso curto mas pleno de diferenças, demorando-nos em cada paragem, seja pela conversa seja pela análise de pormenores que pouco a pouco se tornam mais evidentes, à medida que o trabalho de campo avança.

Adentramos por uma vila operária (a Vila Almeida 13), encostada ao Coleginho, “primeira casa própria da Companhia de Jesus em todo o mundo”. Pelos espaços que ligam casas e sobem a vertente, vamos encontrando homens jovens e mais velhos, uma criança pela mão do pai, provavelmente do Bangladesh, que nos cumprimentam e respondem em Português perfeito. Um deles usa o chão como mesa de trabalho, colocando rosas dentro de embalagens de plástico – daquelas que depois vemos a serem insistentemente vendidas junto de mesas onde qualquer casal se junte para jantar. Uma delas, possivelmente partida no processo, é presenteada ao grupo. Junto a ele, um senhor mais velho, com o ar típico de português de bairro, vem estender roupa à porta. Está ali há apenas um mês, mas é lisboeta desde sempre, e andou por todo o lado – não perguntamos detalhes, talvez temendo alguma história mais pesada de sem abrigo, mas esperamos poder continuar a conversa mais tarde. Mesmo junto à sua porta, ainda se vê uma talha, meia enfiada no chão, rachada, com uma lage de pedra a tapar a boca. O senhor insiste que pode ser um forno ou um alambique, e em vão tentamos explicar que seria um silo para armazenar bens alimentares.

Na rua mesmo ao lado, conversamos com uma senhora que nos ouve a comentar uma inscrição em pedra sobre uma ombreira, e se assoma à porta, calorosa e simpática. Ao comentarmos uma loja que vemos no outro lado do pequeno largo da Rua da Amendoeira, insiste que sim, que vamos lá, pois lá está a sua comadre. Esta, Natália, tem este projecto há 6 anos, onde tanto arranja antigo como faz novo. Na “Ideias com Panos”, um projecto com o apoio da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, fala-nos dos vários projectos que tem feito ao longo dos anos, desde vestidos de casamento a cortinas de cinema. E mostra-nos, com a provocação de quem mostra algo que ainda é segredo, o desenho dos fatos das marchas deste ano – imediatamente começamos a reconhecer nos panos que nos rodeiam os padrões e cores dos fatos, cada um feito à medida para quem o vai usar, com o nome escrito a giz no pano. Ambas estas senhoras moram neste largo há mais de 50 anos, e vêem-se felizes. O que contrasta com a nossa primeira entrada naquela estreita rua, marcado pela droga e pela ilegalidade, e que assim estranhamente se abre para esta luz e alegria.

Continuaremos a ver estes contrastes numa próxima rua, por detrás do Coleginho de Santo-Antão-o-Velho, onde, junto a uma porta e fachada reabilitadas, vemos um homem de meia idade, promotor imobiliário talvez, a acabar de mostrar uma casa a um jovem estrangeiro. Em inglês, elogia a casa e comenta outras tantas que tem por Lisboa, mas mais longe do centro.

Demonstra-se assim a diversidade e a riqueza da Mouraria, em 3 ruas contíguas, que se estendem da Rua do Marquês de Ponte de Lima em direcção ao castelo.

Leonor Medeiros, arqueóloga

Diário de Campo, 18/03/2024

Mapa do percurso realizado no bairro da Mouraria.

No dia 18 de março, pelas 15:30, realizámos um passeio pela Mouraria que partiu da Travessa dos Lagares, com o intuito de fazer um registo de impressões a partir dos cinco sentidos. 

Ao longo do percurso procurámos registar cores, cheiros, texturas, elementos visuais como pontos de vista, estruturas arquitectónicas e outras noções que permitissem caracterizar o bairro.

Apesar de o tempo não ter sido muito, foi-nos possível detectar em meia hora características interessantes, desde logo, na subida ao Caracol da Graça, onde a arte urbana marca a sua presença de uma forma subtil, entre as cores vibrantes, próprias da arquitectura deste espaço. Diferentes cores e estilos de azulejo foram-nos acompanhando ao longo do trajecto, ornamentando os edifícios e chegando a estar presente até entre as peças da calçada, numa conjugação inesperada mas bastante expressiva de uma noção identitária, tanto do bairro como de Lisboa.

A relação com outros pontos da cidade foi também interessante de observar, estando a Mouraria situada na capital das sete colinas. Desde o rio que se vislumbra a partir do topo do Caracol da Graça, à Igreja de São Vicente de Fora que surgiu na paisagem enquanto percorríamos a Travessa das Mónicas, são vários os pontos de vista possíveis ao longo percurso.

Chegados ao largo do Menino de Deus, fomos surpreendidos pela igreja barroca do cimo da calçada que, apesar de imponente, passa algo despercebida naquele que é um dos limites que forma o bairro.

Será relevante ressaltar que não encontrámos na nossa curta rota, algum tipo de apoio à mobilidade condicionada, pelo que, ao nível da acessibilidade considerámos que existe ainda uma urgência para a reflexão e acção sobre este tema que não deve ser desconsiderado.

Ao percorrer a calçada de Santo André, deparámo-nos com o Largo do Terreirinho (que pela sua dimensão aparenta estar sempre com alguma afluência) subindo, de seguida, a estreita Travessa dos Lagares para retomar o nosso ponto de partida.

Joana Semedo, aluna de Mestrado em Museologia

Diário de Campo, 11/03/2024

Mapa do percurso realizado no bairro da Mouraria.

O nosso primeiro percurso, espontâneo e com intuito de explorar o território, teve como ponto de partida inicial as Escadinhas da Saúde, em frente à Praça Martim Moniz. Infelizmente, estavam fechadas, então decidimos seguir em direção à Casa-Museu Fernando Maurício que, embora também encerrada, dispunha de arte nas ruas que nos envolvia com elementos que remetiam ao universo do fado e de uma atmosfera gradualmente menos turística.

Ao alcançarmos o ponto mais alto do trajeto, descemos pela Rua da Costa do Castelo até chegarmos a um dos principais enclaves do bairro, a Travessa do Açougue. A partir desse momento, percebemos uma retomada da intensidade turística, principalmente na via escolhida para seguirmos, a Calçada de Santo André. Mudamos depois para a Rua dos Lagares e passamos pelo Funicular da Graça, prestes a ser inaugurado no dia seguinte, e também pelo Centro de Inovação da Mouraria, a “sede” do projeto.

Ao desviarmos para o Largo das Olarias, nos deparamos com a Villa Luz Pereira, uma antiga vila industrial. Continuamos nosso percurso pela Rua das Olarias e pela Rua da Bombarda, até tomarmos a Travessa do Maldonado em direção ao Intendente, onde decidimos concluir nossa caminhada. Retornamos à Praça Martim Moniz via Avenida Almirante Reis e Rua da Palma.

Raphael Corrêa, aluno de Licenciatura em Arqueologia