“Olhares sobre a cidade”, uma unidade curricular optativa da NOVA FCSH, arrancou mais uma vez neste mês de Fevereiro de 2025. Coordenada por Leonor Medeiros e Mafalda Pacheco, tem o apoio do HUB Criativo da Mouraria da Câmara Municipal de Lisboa para a realização das actividades que estão alinhadas com o programa Erasmus + BIP “Miradas sobre la Ciudad”, a decorrer em Florença no mês de Julho.
Nas próximas semanas a equipa de alunos e professores andarão pela Mouraria a estudar ruas e largos através de diferentes pontos de vista e áreas científicas – arqueologia, arquitectura, história e ciência política e relações internacionais.
Os artigos semanais realizados pelos alunos darão conta dos temas que serão abordados.
Conversa com Filipa Bolotinha da Renovar a Mouraria.
No âmbito de um levantamento das várias intervenções realizadas no bairro da Mouraria ao longo das últimas duas décadas, no passado dia 6 de maio, a equipa do projecto “Olhares sobre a Cidade” foi até à Casa Comunitária da Mouraria para falar com Filipa Bolotinha, coordenadora geral da Associação Renovar a Mouraria, com o objectivo de discutir e saber mais sobre as iniciativas projectadas e implementadas no bairro da Mouraria desde o início do século.
A Associação Renovar a Mouraria é uma organização não-governamental para o desenvolvimento, fundada em 2008 com o objectivo de revitalizar o bairro, através de iniciativas comunitárias, educativas e culturais.
Actualmente, conta com uma equipa de cerca de 100 voluntários que se dedicam à integração de diversas comunidades através de ações educativas formativas e culturais, à garantia do acesso à habitação e de outros direitos consagrados para a população da Mouraria, à revitalização económica do território e à defesa e salvaguarda do património histórico, cultural e humano.
A organização tem-se destacado pelas suas acções de desenvolvimento local e pela integração de pessoas migrantes no bairro e na cidade, assim como pelo seu importante papel ao nível da dinamização cultural.
Na conversa com a directora da Associação, começou-se por abordar alguns projectos enquadrados no contexto do plano de revitalização do bairro que ocorreu no início da década de 2010, como foi o caso do Plano de Desenvolvimento Comunitário (PDCM). À luz deste programa foram realizados diversos projectos e iniciativas que visavam o desenvolvimento do bairro, a nível social, cultural e económico. A própria Associação Renovar a Mouraria elaborou diversos projectos e eventos impulsionados pelo PDCM, como as Visitas com Fado, uma iniciativa que promoveu a divulgação do bairro e que obteve também bastante adesão por parte dos moradores.
Discutiram-se também os primeiros projectos realizados pela Associação Renovar a Mouraria, como o Jornal Rosa Maria, um concurso de fado e o Festival Todos, que se mantém até hoje. Também o Arraial da Associação foi outro projecto desenvolvido nestes anos iniciais da mesma e que se continua a realizar actualmente.
Ao longo da conversa, foram-se abordando outros projectos de desenvolvimento que passaram pela Mouraria, ao longo da década de 2010.
O lançamento do Programa Bip-Zip em 2011 pela Câmara Municipal de Lisboa foi um marco no impulso de projectos de reabilitação de vários bairros de Lisboa e que teve uma grande influência no bairro, através da criação de várias iniciativas que partiram de diversas instituições e associações, incluindo a Renovar a Mouraria.
Este contexto de dinamismo e de uma nova vida do bairro atraiu para o bairro novos frequentadores e até moradores, neste período. No entanto, tanto o período de crise económica como, mais recentemente, a realidade pandémica prejudicaram o financiamento, arranque e continuidade de intervenções no bairro.
Também a diminuição de moradores a título permanente na Mouraria nos últimos anos veio alterar a dinâmica do bairro, trazendo novos desafios e necessidades.
Saímos da sede da Renovar a Mouraria com um conhecimento muito mais alargado daquilo que foram os projectos implementados no bairro. Devido à sua vasta experiência enquanto coordenadora desta associação, o contributo de Filipa Bolotinha foi essencial para a elaboração deste levantamento, que continua a crescer e a ser actualizado e que será disponibilizado em breve na secção Resultados.
Por Joana Semedo, aluna do Mestrado em Museologia.
Em poucas ruas, muito contraste. Hoje fizemos um percurso curto mas pleno de diferenças, demorando-nos em cada paragem, seja pela conversa seja pela análise de pormenores que pouco a pouco se tornam mais evidentes, à medida que o trabalho de campo avança.
Adentramos por uma vila operária (a Vila Almeida 13), encostada ao Coleginho, “primeira casa própria da Companhia de Jesus em todo o mundo”. Pelos espaços que ligam casas e sobem a vertente, vamos encontrando homens jovens e mais velhos, uma criança pela mão do pai, provavelmente do Bangladesh, que nos cumprimentam e respondem em Português perfeito. Um deles usa o chão como mesa de trabalho, colocando rosas dentro de embalagens de plástico – daquelas que depois vemos a serem insistentemente vendidas junto de mesas onde qualquer casal se junte para jantar. Uma delas, possivelmente partida no processo, é presenteada ao grupo. Junto a ele, um senhor mais velho, com o ar típico de português de bairro, vem estender roupa à porta. Está ali há apenas um mês, mas é lisboeta desde sempre, e andou por todo o lado – não perguntamos detalhes, talvez temendo alguma história mais pesada de sem abrigo, mas esperamos poder continuar a conversa mais tarde. Mesmo junto à sua porta, ainda se vê uma talha, meia enfiada no chão, rachada, com uma lage de pedra a tapar a boca. O senhor insiste que pode ser um forno ou um alambique, e em vão tentamos explicar que seria um silo para armazenar bens alimentares.
Entrada da Vila Almeida
Escadinhas na Vila Almeida
Pátio interior da Vila Almeida
Talha no pátio da Vila Almeida
Fachada da Igreja do Coleginho de Santo-Antão-o-Velho vista da Vila Almeida
Na rua mesmo ao lado, conversamos com uma senhora que nos ouve a comentar uma inscrição em pedra sobre uma ombreira, e se assoma à porta, calorosa e simpática. Ao comentarmos uma loja que vemos no outro lado do pequeno largo da Rua da Amendoeira, insiste que sim, que vamos lá, pois lá está a sua comadre. Esta, Natália, tem este projecto há 6 anos, onde tanto arranja antigo como faz novo. Na “Ideias com Panos”, um projecto com o apoio da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, fala-nos dos vários projectos que tem feito ao longo dos anos, desde vestidos de casamento a cortinas de cinema. E mostra-nos, com a provocação de quem mostra algo que ainda é segredo, o desenho dos fatos das marchas deste ano – imediatamente começamos a reconhecer nos panos que nos rodeiam os padrões e cores dos fatos, cada um feito à medida para quem o vai usar, com o nome escrito a giz no pano. Ambas estas senhoras moram neste largo há mais de 50 anos, e vêem-se felizes. O que contrasta com a nossa primeira entrada naquela estreita rua, marcado pela droga e pela ilegalidade, e que assim estranhamente se abre para esta luz e alegria.
Pátio do Coleginho
Rua da Amendoeira
Entrada de vila operária
Beco das Maravilhas
Continuaremos a ver estes contrastes numa próxima rua, por detrás do Coleginho de Santo-Antão-o-Velho, onde, junto a uma porta e fachada reabilitadas, vemos um homem de meia idade, promotor imobiliário talvez, a acabar de mostrar uma casa a um jovem estrangeiro. Em inglês, elogia a casa e comenta outras tantas que tem por Lisboa, mas mais longe do centro.
Demonstra-se assim a diversidade e a riqueza da Mouraria, em 3 ruas contíguas, que se estendem da Rua do Marquês de Ponte de Lima em direcção ao castelo.